Um princípio do bom design
Aquele que Dieter Rams não escreveu
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Nos últimos anos, me envolvendo com design, encontrei alguns trechos da história que por agora são quase míticos. Empresas, produtos, pessoas, livros… fragmentos de uma filosofia coerente que vejo embutida nas empresas mais bem sucedidas.
Um desses trechos são os dez princípios do bom design de Dieter Rams. Se você ainda não ouviu falar dele, agora é um ótimo momento para mergulhar no Google. Ele é um designer lendário mais conhecido por seu trabalho na Braun e por inspirar o espírito de design da Apple. Não há dúvida que ele já deixou uma marca no universo.
Ele criou a lista motivado por frustração com o estado do mundo, uma sensação com a qual acho que todos podemos empatizar. Tal qual seus produtos, os dez mandamentos — como são chamados às vezes — foram projetados para serem atemporais. Vamos recapitular brevemente esses princípios que ele escreveu em 1980:
- Bom design é inovador;
- Bom design torna um produto útil;
- Bom design é estético;
- Bom design torna um produto compreensível;
- Bom design é desobstrutivo;
- Bom design é honesto;
- Bom design é duradouro;
- Bom design é cuidadoso até o último detalhe;
- Bom design é amigável ao meio ambiente;
- Bom design é o mínimo design possível.
Já os escutei tantas vezes que sua pronúncia de “gutes design”, está embutida no meu cérebro de não falante de alemão. Que eles têm quarenta anos de idade é impressionante, e eu apostaria que eles continuarão relevantes por um bom tempo. Há neles temas gerais urgentes, como a sustentabilidade na vida e no design.
Eu estava assistindo a um filme lançado recentemente sobre ele, dirigido por Gary Hustwit. Você provavelmente o conhece de sua trilogia anterior (Helvetica, Objectified e Urbanized). Todos eles são documentários incríveis, obrigatórios para designers. Neste último, intitulado Rams, Dieter compartilha pensamentos sobre seu trabalho e nós temos uma noção de seu estilo de vida. Há também entrevistas com pessoas relevantes que falam sobre sua vasta influência.
Em uma dessas entrevistas, nos extras, Mark Adams da Vitsoe fala sobre o (não escrito) décimo primeiro princípio do bom design. Um que está relacionado a um traço de personalidade que Dieter e Steve Jobs compartilham: determinação. Ele menciona que Rams deve ter relevado por “ser apenas quem ele é”.
“Bom design é convicto”, disse Mark. Eu me senti pressionado a escrever sobre isso. De primeira vista, como alguns dos princípios que Dieter escreveu, pode não parecer muito. Mas é quando você olha mais de perto que a sabedoria é revelada por trás das palavras.
Ao escolher abordar o produto nos seus princípios, Dieter os deixou menos abstratos e mais compreensíveis. Fechar a lista em dez itens também dá um bom encerramento. No entanto, percebo cada vez mais a importância dos valores da empresa para se destacar com design. Este princípio não escrito aborda um elemento crucial dessa cultura, por isso pode muito bem ser o meu favorito.
Vou exemplificar como essa determinação pode tomar forma, mas que melhor maneira de começar essa interpretação do que com um vídeo engraçado? Voltando ao passado, aqui está um que ilustra uma comparação não tão atual entre a Apple e a Microsoft. Como seria projetada a caixa do iPod se dependesse da Microsoft da época?
O que pode ser extraído deste vídeo é que o bom design precisa de determinação. A caixa do iPod só pode ser bem projetada porque veio de uma empresa que tem valores fortes, onde medos infundados e vieses não levam o melhor. Embora essa abordagem “menos é mais” tomada pela caixa do iPod, por exemplo, tenha apelo provado de mercado, as condições para seu desenvolvimento não são fáceis de replicar. Ainda assim, é crucial que nós como designers de produto trabalhemos em direção a ela todos os dias. Considerando o excesso de estímulos nas nossas vidas cada vez mais conectadas, nós certamente não deveríamos desperdiçar a atenção de uma pessoa com o que não é essencial.
Como pode ser visto nos inúmeros comentários hipotéticos que aparecem no vídeo, fatores externos estão cada vez mais presentes no processo de desenvolvimento de produto. Ao possuir uma bússola bem calibrada pode-se evitar decisões contrárias ao objetivo. Ser bom em eliminar ruídos fornecendo uma visão clara é difícil, para qualquer gerente de produto ou CEO, mas é fundamental para um ótimo design.
Você tem que ser ousado para ser simples. Você tem que ser ousado para bloquear a distração do hype. Há uma razão pela qual não estamos todos produzindo produtos atemporais, inclusive eu. Não é tão simples quanto seguir dados. Diferentes modos de pensar são essenciais, mas uma forte intuição e instinto não podem ser negligenciados. (Insira aqui todas as citações sobre clientes não saberem o que querem).
Quando aplicando essa determinação, esteja ciente que essa abordagem não exclui a pesquisa com usuários. Contudo, você a realizaria de uma maneira mais cuidadosa e medida, definindo melhor o objeto de estudo e interpretando os achados com mais cautela. Design por comitê seria o antônimo de design convicto.
É preciso coragem para tomar uma direção diferente de todos os outros, para dizer mil nãos para cada sim. Uma empresa que há muito tempo incorporou essa filosofia é a Apple, e espero compartilhar insights no futuro a partir do que observei sobre eles. Os princípios de Rams e a filosofia da Apple se sobrepõem muito.
No final, o que espero que tenha constatado é que o ambiente de criação está entrelaçado com o produto final. Quando se está projetando sozinho, é mais fácil ser determinado e seguir uma visão. Projetar produtos para outros, no entanto, envolve pessoas que precisam de uma estrela guia. O décimo primeiro princípio do bom design nos lembra sobre como é importante cuidar da cultura da empresa, cujos valores devem promover determinação.
Quero concluir com uma citação retirada do documentário. Eu acho que ela descreve perfeitamente como se pode sentir uma conexão emocional com produtos simples. Também aborda como o ego de alguém pode interferir no caminho para um bom design.
Quando sua mente está fixa em criar algo próprio, você acaba se expressando. Mas quando você decide ser verdadeiro à função, você sente seu espírito emergir. Formas criadas para uma determinada função podem deixar um impacto muito mais forte, mais estimulante, do que quando você está apenas obcecado com a ideia de se expressar.
— Naoto Fukasawa
Obrigado a todos que desfrutaram desta pequena exploração comigo. Não esqueçam de conferir o excelente documentário Rams (bela fotografia a propósito). Além disso, considere me seguir se quiser ler mais sobre o papel que cultura desempenha no desenvolvimento de produtos.
Como sempre, palmas e sugestões são apreciadas. Até o próximo artigo 👋🏻